"...Cada um cria seu mundo dentro de sua visão e audição. E fica prisioneiro dele. E de sua cela, ele vê a cela dos outros."
-Karl Engel

sábado, 27 de dezembro de 2008

Relato: Visita

Recebi uma visita. Foi a tarde de calor do campus. A cor e o som de várias continhas postas juntas como irmãs unjidas e necessárias. A voz, essa canção, toca a coisa mole que escondo debaixo da carnadura. Se me finjo altiva, se me finjo silenciada, na verdade é por pura falta de tato em lidar com algo maior do que eu posso querer dizer sem soar como hipócrita. Consigo falar de saudade. De beleza. De danças. Mas me falta o jeito de falar dela. Recebi uma visita que me fez extremamente feliz por alguns segundos. Até me esqueci do tempo. Até me esqueci de dizer que ela me faz sorrir por dentro.

Conto: Picadeiro

Acordou aquela manhã com o coração em chamas. Estava pesado demais para o seu peito. Pesava como se o povo de Faery dormisse sobre seu tórax esperando o advento da manhã para lhe roubar uma das crianças.
Ao invés de assar o pão de ontem com uma colher de margarina e passar o solitário café preto e forte de antes de ir pro escritório, olhou pela janela manchada de cinza do apartamento. O circo se estendia a poucos metros dali. A lona, um arco íris dentre os prédios. A alegria completamente alienígena daquelas cores em contraste com a cidade.

Fechou os olhos e se lembrou do sons do picadeiro. O rugido enorme do leão que fazia tremer por dentro e deixava suas pernas magricelas de menino bambas, a voz marcante do apresentador, as gargalhadas irônicas do palhaço.

Os palhaços não eram autênticamente felizes. Eles estavam entre ser bicho e ser gente, como as outras aberrações, a mulher barbada, a mais gorda do mundo, o homem lobo, a mulher gorila e até mesmo os desengonçados anões. Gente de circo.

No escritório, ele também se confundia..por vezes era o homem cálculos e relatórios. Tão ironicamente misturado com seu ofício que também sofria de cálculo, a dor pungente e chata nos rins. Raramente perguntavam seu nome ou como havia sido seu dia, queriam saber dos memorandos e papéis. Rá! Papéis. Zé que é Palhaço Brigadeiro, Teodoro que teve um filho que não sabe o nome, e que põe no rosto sofrido de homem velho e soliário, carregando consigo aquela lembrança daquele único amor, uma máscara sorridente que magicamente o torna outro, criança de novo, Palhaço Beringela.

Com um suspiro puxa a gaveta da cozinha e a faca de corte. Com ela, rasga o peito e enfia a mão dentro e agora segura um coração palpitante como um passarinho, quente e pulsando frágil, frágil. Segura com cuidado para não apertar muito. O pijama, agora rubro, foi transformado magicamente do amarelo doente em trajes salpicados de vermelho, mais escuro no meio e mais claro a medida que se afastavam do lugar onde antes era seu peito fechado, e que agora se abria em flor.

Foi um pouco difícil abrir as portas usando uma mão só e andar até o circo também foi penoso pois o chinelo estava uma poça escorregadia. O tempo todo ele tinha que conter a vontade de correr até o circo com um sorriso aberto e os olhos brilhantes, mostrando o que tinha em suas mãos.
Uma dona deixou cair as compras mas ele não pode se abaixar para ajudá-la. Olhar acusador. Nem ao menos havia lhe notado as mãos ocupadas. Ele era invisível como o habitual, mesmo em seus trajes novos, por sua vez, as outras pessoas também eram invisíveis, aquele momento era só dele.Assim, ele pôde virar com desprezo o seu rosto e combinou consigo mesmo de não párar por mais ninguém.

A fila da bilheteria era pequena, e só ao chegar a sua vez foi se lembrar que não havia trazido dinheiro. Não precisou dizer nada, do outro lado da gradinha abriu-se um sorriso compalcente e lhe foi empurrado um ingresso "Cuidado com isso que você carrega, hein e evite sujar o ingresso, precisamos reaproveitá-lo na próxima noite, não estamos ganhando muito, você sabe!". Ele acenou com a cabeça para mostrar que havia entendido o pedido, e mostrou os dentes em um gesto meio adoentado.

Sentou-se lá no fundo, mas mesmo assim se sentiu nú, pois na arquibancada, projetada para cinquenta espectadores, não se sentavam mais do que quinze.Os tambores rufaram e ele pela primeira vez viu, com seus olhos, o pequeno coração(pequeno para um homem da sua idade, certamente deve ter murchado um pouco) bater mais forte, quase saltando das palmas de suas mãos.

Então, com um grito profundo, ele atirou seu coração às areias do circo. Ele caiu bem no meio do picadeiro, causando um pequeno levantar de poeira. Alguém espirrou ou tossiu. O leão limitou-se a farejar e desprezar o pedaço de carne. O trapezista sorriu.Os palhaços zombaram daquela atitude desesperada.
Só a pequena bailarina compreendeu. E veio caminhando com seu olhar melancólico e os passos medidos. A pequena bailarina não era mais que uma menina, no entanto, a mais delicada das mulheres. Uma mulher-menina de porcelana, um bibelô sensível. Com as mãos em concha apanhou o coração. O sangue lhe manchava as luvas brancas de carmina.

Naquelas pequenas mãos de opala, o coração se tornou magia. A arquibancada vazia se encheu, as crianças brincavam na rua, podia se ver as nuvens de Outono quando se olhava para o céu. A cidade e seus arranha-céus haviam ido embora e o circo deixara de ser nômade. Lá fora, brincadeiras de peão, de rouba-bandeira, cachorros latindo, um homem acenando de sua carroça. Donas conversando nos portões, alguém vendendo pão, outro assobiando.

Demourou-se um pouco para que ele aprendesse a vestir com razoável destreza, os risos da hiena, a frágil polidez dos elefantes e a elegância marinha dos corcéis. Antes vieram os tombos, as frustrações.
Porém, quando o espetáculo acaba, a noite alta, as pessoas cantarolando. Quando as luzes se apagam, e o leão boceja, o palhaço tira a sua maquiagem e a bailarina cessa seus rodopios...é quando o picadeiro dá lugar à outro tipo de mágico. Um mágico com um buraco no peito. Ele abre seus braços e como já não tem o coração lhe pesando, ele voa. Vai para um mundo onde não há espelhos falsos e o sol devolve a cada coisa a sua sombra natural. Nesse mundo não há o aplauso, porque tudo é justo. Porque tudo é bom.

quinta-feira, 13 de novembro de 2008

Conto: O Amor e A Morte

O olhar de um boi na fila do abatedouro, resignado, com um infantil apego à vida mas caminhando resignadamente na fila, a promessa da martelada em sua cabeça larga no final. Era essa a impressão que se tinha sobre ela e seus olhos grandes enfiados demais naquele rosto demasiadamente raquítico, os ossos das bochechas saltando da face.

Não era de se admirar que aos dezenove anos se apaixonasse por um viúvo. Nunca havia sido tratada bem pelos três irmãos mais novos, muito menos pelo pai, que a obrigava à cuidar da casa desde que sua mãe havia se ferido moendo cana e ficara com a mão esquerda parecido com a pata de um passarinho, os dedos afastados e tortos, mais longos por causa dos ossos esmagados. O primeiro homem que a fez sorrir, a fez também se sentir amada.

Ela de fato se sabia amada, e vivia a cantarolar enquanto lhe engomava as camisas. A cama dos dois cheirava à falecida e ela não se importava... se sentia viva! Era ela que estava ali afinal. Não gostava de mexer em nada na casa, nem ao menos mudar a mobília de lugar, por receio de desagradar ao marido e aos filhos deles(dele e da outra, que é a primeira), afinal, eles se silenciaram quando os dois quiseram se casar.

O marido, para agradá-la, jamais mencionava a sua morta, ainda que a foto dos dois, e ela sorridente carregando o primogênito pendesse como um grito gigantesco da parede da sala e a envergonhando quando alguma pobre alma resolvia visitá-la. Seus irmãos, agora mais velhos, continuavam cruéis como crianças e viviam à amolar dizendo que feia do jeito que era tinha tirado a sorte grande ao se casar com um viúvo rico e (bem)mais velho.

Deus não havia lhes presentedo com filhos, por mais que tentassem, e ela acabou ficando velha demais para isso. Na verdade, a mãe dela não havia mesmo prestado depois do acidente(ela tinha apenas dez anos quando o pai chegou com a mãe ensanguentada e chorosa), e o amor parecia ser aquilo dali, lavar as vasilhas, dormir na mesma cama, cuidar das refeições, igual o que o pai dizia que a mãe fazia tão bem quando ainda podia. O pai dizia isso chingando, dizendo que ela, como filha, era uma desgraça e não sabia cuidar dele e dos irmãos. Ah se o pai à visse agora, esticando com zelo o forro bordado da mesa, de ponto tão delicado... o cheiro do bolo perfumando a casa.

Ah se o pai visse as flores que o marido trouxera, rosas vermelhas, como se eles ainda estivessem na fase do flerte depois de vários anos de casados. O branco do cós do pano de mesa, o vermelho sangue das rosas. Ela achou que era o contraste mais mimoso que havia visto na vida!

Talvez por timidez ou falta de jeito em viver, ele não havia lhe falado nada, mas as flores estavam ali como que para compensar a falta de palavras. Eles tomaram juntos o lanche e a noitinha ela passou a colônia favorita e vestiu a camisola de renda bem soltinha, deixando ver sob o tecido dois mamilos rijos e delicados. Os cabelos soltos lhe caiam como galhos de parreira, volumosos, cor de avelã. Ela se sentia verdadeiramente bonita.

Ele a beijou sôfregamente, e ela pôde sentir pelo cheiro dos pêlos dele que ele a desejava ardentemente e os dois fizeram amor mais como dois amantes sujos do que como marido e mulher. O quarto e os lençóis da outra se cobriram com suor e outros líquidos...e os dois nus, estirados como dois vermes sobre a cama, sem ao menos cobrirem os pudores. Estavam exaustos. Dentro de si ela guardou um sorriso de malícia, tocando o próprio lábio onde o mesmo nascera.

Quando o escuro se despedia, e o quarto se tingia do azul das quatro e meia, ela escutou um barulho como se um bichinho tivesse ao seu lado, um filhotinho de gato talvez, um chiadinho bem baixo, que foi crescendo, crescendo... por um momento ela achou que fosse uma assombração, o fantasma da outra querendo resgatar o que era dela. Quando teve coragem, o som já era estridente, ela abriu os olhos, o rosto do marido desfigurado em uma careta:

"As flores eram para ela!", ele disse.

segunda-feira, 3 de novembro de 2008

Relato: Amor e Morte

L'amour et la mort(O Amor e a Morte)

c'est l'amour(é o Amor)
c'est la mort(é a Morte)
c'est l'amour, c'est la mort(é o Amor, é a Morte)
la mort n'est que la mort(a Morte é só a Morte)
mais l'amour c'est l'amour(mas o Amor é o Amor)

quinta-feira, 23 de outubro de 2008

Relato: O Mosquito

Um mosquito anda na tela do computador e ela acende seu último incenso como se as palavras da embalagem fossem um último grito de uma esperançosa devolução: " Traz fortuna. Devolve e aumenta a força."
Assim, como se o imperativo fosse capaz de algum milagre silencioso e inantigível dentro de sua alma- alma coisa esdrúxula essa. Mística.
Papilas gustativas nas patas. Olhos caleidoscópicos.Os líquidos e outras coisas que flutuavam em seu interior não à faziam miserável.
Ter alma era uma desculpa para ter esperança.
Um golpe certeiro da mão direita e a mosca é apenas uma coisa morta.
E ela? Ela se vê vingada de alguma maneira.

quarta-feira, 24 de setembro de 2008

Relato: Primavera

As pessoas pisoteiam o mato sem se questionar sobre a beleza das coisas escondidas. Uma hortência, em sua petulante beleza anil, é o senso comum do jardim. Ela é óbvia, gritante e comum.
Um dia, olhando um muro de hera, percebi pequenas florezinhas amarelas, minúsculas, de uma beleza sôfrega e tão pequenininha que chegava a ser emocionante.
Hoje, depois de ler um desejo- uma amiga que espera florescer os seus jardins- me dei conta que a esperança é uma dessas florezinhas sem vergonha... dessas que sempre pisoteamos, e que por puro altivez, ou até por pura ignorância, julgamos ser nada mais que mato. A flor, jamais ofendida, resnasce de novo, e de novo, o sol frágil e pequenino que aprendemos à amar .

quarta-feira, 3 de setembro de 2008

Relato: O Horror! O Horror!

Toda eloqüência tem o seu julgamento triste. Havia prometido a mim mesma que usaria minhas palavras para o meu próprio bem, mas as vezes a noção de amor próprio se mistura à uma pitada demasiadamente grande de crueldade...e eu me lembro que não sou um dos selvagens com quem comungo. Sou pós-cristã, não sou tão antiga, ou tão primeira...as desculpas da ignorância ou da alienação não me servem e eu acabo como Kurt em seu momento de iluminação "O Horror! O Horror!".

Em uma tentativa desvairada de me encontrar em um local de abrigo, me misturo com o próprio coração das trevas e me vejo esquecida como indivíduo. Distanciada da experiência que já vivi, esquecida pela civilização em que me criei...e me recriou como um pequeno Deus para pessoas que adoram deuses pequenos.

Queria eu achar o meu Deus. O centro que me falta. A semente crescida no meu útero, mas depois de ter sido adorada. Ter sido embalsamada viva pela eloqüência e pela vêemencia com que falo das coisas não há um ser humano que não se intimide ou que se veja perplexo com a descoberta de que eu não passo de uma simples mulher.

terça-feira, 29 de julho de 2008

Relato: A Vil Teia

E o destino urde suas teias de maneira tola e caótica, e por vezes vil, já que nos atropela com seu cheiro de velhice e morte. A necessidade não tem lei. A convicção e os valores, são estraçalhados por duas mãos viris, as mãos do Senhor do Tempo. O que sou eu e as minhas escolhas em face ao desconhecido? O desconhecido não me deixa escolhas. Quando você passa a conhecer as coincidências já é tarde. Já é luto. Vou sentir saudade de poder ser moral, poder ser amiga, poder ser eu mesma e me gabar das coisas que jamais faria... agora, que percebi que o Destino se encarrega de truques taciturnos, jamais sentirei de novo o gosto de dizer "Sou leal".

quarta-feira, 2 de julho de 2008

Conto: O Chuveiro Queimado

Haviam guerras, pessoas aleijadas, pessoas moribundas. Seu vizinho, o Seu Marcos, por exemplo, estava sendo carcomido pelo cancêr. Se prostrava em sua cadeira de rodas com o olhar resignado de um boi no abatedouro enquanto sua família o dava adeus todos os dias. O aceno débil do seu Marcos na ida pro trabalho tornava as suas manhãs insuportavelmente mais frias.

Estava um frio de doer. Haviam mendigos sem agasalho. Gente dormindo em sua própria urina, crianças chorando de desnutrição, mais parecidas com pequenos alienígenas do que com humanos, a cabeça desproporcional, os braços, ossinhos compridos pendendo de uma caixa toráxica feita só de pele e de costelas.

Ela dormira bem, comera bem. Não havia o barulho das bombas cortando o ar, nem doenças terminais sem cura. Não havia contas a pagar, nem um bebê chorando diante um peito murcho e sem leite. Sua casa tinha as paredes gentilmente pintadas e o chão de taco cuidadosamente polido. Suas roupas perfumadas e limpas deitavam-se sobre o sofá como pequenos cadáveres de tecido. Era uma manhã perfeita, daquelas cheia de sol mas como estava frio.

Em momento algum ela estava alheia. Sabia o tempo todo da infinitesimal importância de seus problemas para o mundo. Sabia que nunca teria para quem os contar. Alguém que se simpatizasse com eles. Com ela. A moça de classe média que tinha um bom trabalho e uma vida solitária. Provavelmente atribuiriam tudo ao seu gênio difícil. Julgariam- na como se a conhecem
intimamente, dizendo que ela sofria por puro egoísmo.

Pensava se por devaneio deveria engolir os problemas por os merecer, por estar destinada a tê-los sozinha, se inventava sofrimento. Cogitava estar enlouquecendo. Afinal, hoje era um dia frio, e debaixo da água gelada, ela chorava nua e desprotegida como um recém-nascido... se sentia terrivelmente só.

Da cozinha vinha a tosse da sua avó que estava resfriada... como não poderia estar? Era inverno e as duas estavam tomando banho de "água esquentada no fogão" há duas semanas. Por quê essa ausência de homens na casa. O retrato do avó sorrindo na parede... e nenhuma palavra dita. Os olhares trocados entre ela e a avó, olhares que queriam dizer "aquele cretino do seu ex namorado resolveria isso em dois tempos". Uma promessa feita pelo irmão mais velho de socorrer a jovem e a velha dama.

Mas só as duas. Há dias. Chegada a hora de sair debaixo da coberta, ela fitava aquele monstro branco e pescoçudo da incapacidade. Se sentia tão frágil que quase se quebrou. Humilhada. Não sabia fazer "pequenos reparos" apenas assinar cheques, a promessa pendente. A espera. O pai que nunca teve. Os irmãos longe dali. O ex namorado que a havia ganhado com pequenas gentilezas masculinas para depois arrancar o seu coração. O pai(ausente). O avô(morto antes que ela nascesse). Os irmãos(casados). O homem(que a assassinara um pouco). E o chuveiro. O fantasma de plástico.

A precavida mãe há havia educado para jamais esperar gentileza dos homens. Para fazer tudo sozinha. Para se sentir forte e independente.(Autosuficiente, as vezes). E assim ela se foi... acreditando na mãe... e mascarando a dor com os seus ofícios. Dizendo a si mesma que não tinha tempo pra nada.(Para o romance). (Para uma família). Veio o chuveiro como o diagnóstico do Seu Marcos. O chuveiro foi como o dia em que os médicos pararam de cuidar dele e o deixaram morrer em casa. O chuveiro, altivo, inalcançável, cheio de fios misteriosos...a tomava, quase em um estupro. Gritava: "você precisa de alguém", "onde está o seu pai, o seu amante?", "você pode comprar o amor e a vontade de protejer?"...e ela lutou. Abriu a água no máximo, respirou fundo e sofregamente se pôs debaixo da água gelada. O ar gelado. O corpo gelado. O coração. Só as lágrimas escorriam quentes.

Debaixo do chuveiro queimado ela sabia das guerras, das moléstias, da fome e das injustiças. Mas sabia também de si, uma menina. Sozinha. Mimada. Incompreendida. Lutando com a água na manhã fria de in(f)verno. Lutando com a solidão. Com o rancor. Com a inveja de seus irmãos que tinham as suas famílias. Com a vitimação. Mas o seu choro era sôfrego e sua dor legítima, mais dor e mais forte por não poder dizer "Sofro porque o meu chuveiro queimou". Ela soluçava e tremia... achou que ia morrer de tanta tristeza. A infelicidade personificada em forma da água gelada. Com o banho matinal veio a constatação de que ela não era uma pessoa feliz.

"-Vovó?! Você poderia chamar um bombeiro hidráulico para nós?!"- disse e depositou com cuidado algum dinheiro sobre a mesa-"o banho frio está nos deixando resfriadas. A gente não conta pro irmão!". Beijou as bochechas murchas e saiu.

sexta-feira, 27 de junho de 2008

Conto: Carne

Ao passar pela ponte solitária ouvira mais uma vez as vozes. Seriam elas humanas? Pois não pareciam. Eram límpidas e ecoavam como se não houvesse nada entre elas e a atmosfera, como se fossem produzidas por algum organismo biológico que vibrasse com a passagem do ar. Como se fossem feitas de carne e não de correntes cerebrais.

Carne era algo que pouco se conhecia. Somente sabia-se algo sobre a respeito. Era o material dos cérebros e dos tecidos internos, e supunha-se haver uma densa camada de carne abaixo do tecido metálico que cobriria toda a extensão do corpo-concreto, mas que é seria inteiramente dissolvida ao entrar em contato com o ar.

Ele nunca havia visto carne. Em suas incurssões noturnas gostava de ir até a casa de partida para ver os corpos serem sepultados...por vezes, alguns saltavam da máquina e eram lançados à metros de distância. Porém, a camada metálica jamais se rompia para que ele pudesse vislumbrar a parte interna do ser humano. A pele se amassava, perdendo um pouco do brilho do metal e a expressão dos cadáveres era horrível, como se não estivessem mortos, como se nunca tivessem vivido...nessas horas ele entendia o porquê de não haver superfícies refletoras na maioria dos quartos.

Segundo os comentários dispersos na Rede, só se poderia ver o sangue e a carne por um milésimo de segundo antes que eles evaporassem na atmosfera. Diziam que o sangue evapora tão rápido quanto o hidrato de oxigênio. Seus avós lhe contaram que somente há três séculos a Medicina passou a ser uma ciência oculta relacionada à criação da vida e à espiritualidade. Antes, qualquer humano com determinação e esforço acadêmico poderia estudar a anatomia e até aprender pequenas operações laboratoriais. Após uma mudança no governo político, foi decidido que a medicina e outras ciências seriam restritas às pessoas da manutenção da vida.

Pouco se sabe acerca do passado. Todos, fora do círculo dos escolhidos pelo teste de sensibilidade, acabam mortos tragicamente nas tabernas da Grande Rede ou simplesmente desapareciam do mundo de contato. As pessoas eram fortemente aconselhadas, pelos médicos e líderes espirituais, a nunca deixarem as suas comunidades virtuais e olhar os resquícios da realidade concreta. A maioria delas jamais o faziam, pois, só havia a necessidade de se lembrar de seus corpos-concretos na ocasião do nascimento de um novo humano. Demoravam-se de dois a três anos para que os dados genético dos pais do embrião fossem coletados.

Ele perguntava a sua amante como ela conseguia lidar com a distância geográfica. Perguntava por que não nos questionávamos sobre as outras quarenta pessoas que estavam em um mesmo quarto. Seriam eles conectados à nós...e o Governo os mantinham próximo, ou éramos intencionamelmente separados de outros eu-concretos com os quais nos socializávamos? Ela respondia que seria doloroso demais viver em um mundo que dependesse da distância geográfica entre as pessoas...chamava a isso de loucura nostálgica e doentia, suicídio.

Mas ele continuava a sair. As suas rodas já estavam desgastadas e sabia que se continuasse com suas aventuras logo se desconectaria para sempre da Rede, sendo a própria Casa de Despedida o seu fim próximo. Deixaria de existir para os outros. Uma única vez conseguira ficar um ano inteiro sem sair do quarto, porém, quando se completavam as 16 horas de atividade cerebral espontânea, ele se despedia de todos para continuamente sonhar com as vozes da ponte e o mundo concreto.

Na ponte as vozes ficavam mais intensas. Se é que seriam vozes... ele se arrastava com dificuldade, seus braços pendidos com as juntas arrebentadas. Após andar mais dez milhas, suas juntas motores inferiores se arrebentaram fazendo com que a parte traseira do seu corpo de desconectasse inteiramente da parte superior. Por anos inteiros ele teve como única visão a linha acinzentada da ponte. Vivia de lembranças das pessoas que conhecera na Grande Rede e esperava que seu suprimento vital se esgotasse em menos de dez anos. Sua existência imergira em melancolia desesperadora... sentia dores horríveis. Hermético. Paralisado. Condenado. Como se uma superfície densa o isolasse de si mesmo e dos outros.

Sua visão, quase cega percebeu um brilho à algumas milhas dali. Seria isso o conceito flutuante de felicidade? Em toda a sua vida, aquela era a primeira ocasião em que se encontrava com outro desconectado. Uma ânsia infantil tomava todo o seu corpo estilhaçado. O brillho se tornava menos ofuscantes e as sombras davam ao vulto as formas familiares e idênticas às dele. Era de fato um desperto!

O outro, que ainda se movia, estava agora diante dele. Ele jamais saberia diferenciá-lo dos mortos se não fossem pelos sutis movimentos dos aparelhos vitais. Tomado de horror ele só então notava que ambos eram incapazes de se comunicar... e que pela posição em que se congelou ao arrebentar suas engrenagens motoras, a caixa de alimentação jamais seria notada pelo outro desperto. Estava morto, ainda que suas funções cerebrais estivessem fervilhando de emoções nunca antes sentidas.

Aos poucos ele procurou se concentrar nas vozes da ponte. Estava certo de que eram humanas, que viam do passado primitivo. Procurou se distanciar do movimentos das engrenagens do desperto, que iam se tornando menos e menos perceptíveis a medida em que ele se afastava dali. O pânico da chegada Hora o sufocava...assim que o outro se conectasse, ele avisaria aos coletores e em algumas horas, seu eu-concreto seria derretido na Casa de Despedida. Certamente todos já o consideravam como morto. Na Grande Rede, seu nome estaria escrito na gigantesca Placa do Adeus.

domingo, 22 de junho de 2008

Relato: Whatta Man - Salt N Pepa

Yeah, yeah (Oooo)Uh, hey hey
All right, yeahOooo

CHORUS

What a man, what a man, what a man
What a mighty good man
What a man, what a man, what a man
What a mighty good man
What a man, what a man, what a man
What a mighty good man
What a man, what a man, what a man
What a mighty good man

I wanna take a minute or two, and give much respect due
To the man that's made a difference in my world
And although most men are ho's he flows on the down low
Cuz I never heard about him with another girl
But I don't sweat it because it's just pathetic
To let it get me involved in that he said/she said crowd
I know that ain't nobody perfect, I give props to those who deserve it
And believe me y'all, he's worth it
So here's to the future cuz we got through the past
I finally found somebody that can make me laugh(Ha ha ha)
You so crazyI think I wanna have your baby
CHORUS
My man is smooth like Barry, and his voice got bass
A body like Arnold with a Denzel face
He's smart like a doctor with a real good rep
And when he comes home he's relaxed with Pep
He always got a gift for me everytime I see him
A lot of snot-nosed ex-flames couldn't be him
He never ran a corny line once to me yet
So I give him stuff that he'll never forget
He keeps me on Cloud Nine just like the Temps
He's not a fake wannabe tryin' to be a pimp
He dresses like a dapper don, but even in jeans
He's a God-sent original, the man of my dreams
Yes, my man says he loves me, never says he loves me not
Tryin' to rush me good and touch me in the right spot
See other guys that I've had, they tried to play all that mac shit
But every time they tried I said, "That's not it"
But not this man, he's got the right potion
Baby, rub it down and make it smooth like lotion
Yeah, the ritual, highway to heaven
From seven to seven he's got me open like Seven Eleven
And yes, it's me that he's always choosin'
With him I'm never losin', and he knows that my name is not Susan
He always has heavy conversation for the mind
Which means a lot to me cuz good men are hard to find

CHORUS

My man gives real loving that's why I call him Killer
He's not a wham-bam-thank-you-ma'am, he's a thriller
He takes his time and does everything right
Knocks me out with one shot for the rest of the night
He's a real smooth brother, never in a rush
And he gives me goose pimples with every single touch
Spends quality time with his kids when he can
Secure in his manhood cuz he's a real man
A lover and a fighter and he'll knock a knucker out
Don't take him for a sucker cuz that's not what he's about
Every time I need him, he always got my back
Never disrespectful cuz his mama taught him that

quinta-feira, 12 de junho de 2008

Conto:A Sentença de Morte

O jardim se estendia a se perder de vista. Os narcisos ali estavam para lembrá-lo de não se auto-idolatrar, afinal, os súditos, suas pequenas Eco, já se encarregavam dessa tarefa. O passo era manso e descuidado, apesar de por vezes ele já haver encontrado uma pequena serpente atravessada por entre a grama. Ele as chamava de fino amigo, e achava engraçado uma linha tão tênue ser a passagem entre a vida e a morte.
Parou junto à uma das duzentas fontes idênticas do jardim e ficou a contemplar as carpas... quantos olhos haveriam pousado sobre aquelas, além dos encarregados de alimentar os peixes? Será que estes as olhavam? Apesar de haver outras duzentas fontes idênticas e inúmeras carpas parecidas?E foi quando lá do fundo da água(ou seria de si mesmo) ele escutou um pequeno choro.
O choro parecia um farfalhar de asas de borboletas, mas o pequeno rei sabia que era um choro, pois o som era profundamente melancólico. E lá no fundo ele viu o que a princípio achou ser uma salamandra aquática e mais tarde veio a descobrir que se tratava de um dragão.
O dragão, menor que a palma da mão do pequeno rei, mais dourado que ouro e com os olhos mais verdes que esmeraldas, abriu sua minúscula boca e dela veio um cheiro de fumaça e morte. Suas palavras não eram inteligíveis, apenas grunhidos, mas dentro da cabeça do rei-menino elas faziam sentido.
Ele explicava que havia sido glorioso em nosso mundo e que agora se encontrava em outro plano, mas próximo ao nosso, e que gostava de voar livre e assassinar seres inferiores. Disse que um dia imergeria do fundo das águas causando um enorme maremoto e ascenderia ao céus carregando em suas costas um rei-morto.
O pequeno rei sentia lágrimas humidecerem seu rosto ao perceber o quanto o dragão apreciava sua vida "Ai quem dera eu gostasse tanto de ser rei, quanto esse ser gosta de ser um dragão", se lamentava. Mas sua inveja logo se dissipou, pois o hóspede de seu jardim disse estar condenado à morte prematura e terrível. O farfalhar de borboletas irrompeu tão violento que o minúsculo dragão parecia prestes a explodir. O rei pequenino tomado de misericórdia, pois apesar de ganancioso e altivo possuia alguma simpatia por um ou outro ser, prometeu dar asilo ao pobre dragão. A boca dourada então contou que o pájem da esposa mais jovem do rei haveria de matá-lo naquela noite.
Sem questionar-pois jamais se questiona um dragão- o rei partiu e mandou que lhes levassem ao seu aposento o jovem págem. Em duas horas(era imenso o palácio) o jovem raquítico e visivelmente amedrontado foi lançado pela porta. O rei menino pediu que ele se sentasse junto dele na cama, e disse que gostaria que os dois fossem como irmãos e amantes aquela noite.
Para o rei era inevitável abusar de seu poder, e percebeu que para salvar o dragão, seria preciso colocar o pequeno jovem ao seu dispor. Nas duas primeiras horas, o rei e o págem sorriam tímidos um para o outro e brincavam de jogos de tabuleiro, nas seguintes três horas, o rei corria os dedos pelo cabelo do págem e contava para ele de suas boas qualidades e de suas aventuras inventadas(o dragão jamais fora mencionado), nas quartas e quintas horas, o rei obrigou o págem a se despir e deitar-se no chão gélido de pedra, e as gargalhadas do tirano eram escutadas por todos os cômodos como uma voz fantasmagórica, nas sextas horas, o rei-menino também se despiu e chamou o págem para junto de si, afim de que com o seu calor, fizesse com que seus calafrios fossem embora. Eles então se deitaram juntos como homem e mulher se deitariam, e as horas não mais foram contadas pois ambos caíram em sono profundo.
À meia-noite, a hora mística, um enorme trovão estremesse o palácio, e pela janela de seu aposento, o rei, tomado de pânico, vê um rajão dourado cair do céus. O coração do pequeno rei fica menor e ele sabe que seu dragão está morto. Após três horas, dois de seus guardas surgem no aposento real carregando uma enorme cabeça ensanguentada, a língua pendente, os olhos vidrados. O rei não mostra surpresa, nem tampouco tristeza, e ordena que a enterrem no jardim próximo à uma fonte específica das duzentas idênticas. Os guardas partem sem questionar-pois jamais se questiona um rei.
O págem acorda logo após a partida dos guardas, ainda atordoado e com um pouco de frio, sua voz, até então desconhecida pelo rei, é infantilizada e amendoada: "Meu rei, permita-me contar-lhe o melhor sonho que tive", o rei-menino ascena a mão com desdém para que o jovem prossiga "Sonhei que andava pela relva de um mundo parecido com o nosso, meu corpo era saudável e musculoso, meu cabelo era longo e loiro e eu o sentia macio roçar os meus braços. Em uma das mão carregava uma espada com um emblema que não consigo me lembrar...e dos vêm vindo em minha direção um enorme dragão dourado, seu hálito fede à carnificina e seus olhos são amaldiçoados. Com um único golpe, o corpo todo excitado, decepo a cabeça do dragão e ainda quando acordei podia sentir o sangue quente banhar a minha pele".

domingo, 1 de junho de 2008

Short Tale: Coyote(tentative translation)

Today the day was born like a cactus that got used to be sparkly and dry and that suddenly blossoms. And I, I decided to take the longest and cheapest way to the Pedagogy building. Despizing all my mother's advices, I went through the path distant-minded, looking at the trees of the Autumn. I was thinking how good the season was with the smell of the middle of things and when all the barks of trees remind me of my Grandmother's Jabuticabeira* tree.
There was this huge tree. And up to its top used to grown the biggest jabuticabas* where I, while a kid, used to climb it to get them. I kept asking myself where that tombboy girl has gone, and why she insisted to appear exactly today...giving me breathe to exercise myself.
The building blossons in the middle of a mountain surrounded by woods and grass. To go up there, I go up a stair with tiny little steps which I pretend to be part of a Mayan pyramid for distracting myself from the corporeal effort I need to have.
I also keep thinking that there is a Big Bad Wolf hid in the woods. The silver and oh so beautiful beast with his primal and attractive howling... but up to this moment, I have met only people. Students quite like myself... coming and going from one building to another, taking a bypath through the woods without having a grand'ma to whom they would take a basket of delicacy.
You know, sometimes I feel annoyed because there are no wolves in Brazil! Only Guará* Wolf, nice as a street dog, but with no silver and furry fur. It is even a beautiful animal, but it is afraid of people and doen't eat meat neither human flesh. Not like the wolf! He could devour the fat grandmother and he is still hungry for the little red hood girl.
I wish I could see, instead of the Pedagogy building's parking lot, a small wood cabin in the middle of the forest! The wood stove lighted up, boiling some tea for the granddaughter.When I was a child I had a Grandmother that lived in a house in the forest... for real. The forest was a big big backyeard with banana, amora* and avocado trees! But for me, since I was little, it was the greatest woods where even a little stream used to flow! There was no wolf, though! Instead, there was a little dog called Léo, moody and brown that I used to love that much.
This is when in the empty(I was late for the class) parking lot, I saw a brown tail behind a car. It wasn't a mouse's, neither a horse's, neither a fox's tail. The tail jumped behind two vivid eyes and a scary big mounth filled with yellow teeth.
It was a starving coyote. He was snorting and wild dancing from one side to the other. I got mesmerized! Chubby as I was I would be a large meal for that animal. I had always waited for the Big Bad Wolf, and appears to me another animal exactly from the States! This one more Mexican than American. Deep marron and skinny, with an evil face. Devil's dog. Grimy and smart. I have felt some pity for him.
Then, the coyote jumps on the car, looks me at my very face and gives a lugh filled with hate and love at the same time. "I will devour you, girl! Like this. Cangaceiro*, telling my stories! Making you feel scary of who I am... the truth! No deceives or phantasies! Neither dress ups or seduction! I am the coyote! The father of everything that exists! I am the starvation that persists! The savage run through the desert! The desesperated howl to the moon! I'm not queer, I am just who I am!"
This time I have got embarashed! Thinking a thought that the deep coyote's vivid eyes were running over right at my hair, complaining like this, that he wasn't the wolf. Then I cryed out: "Am I to blame for my likes?" In an atlethic leap the coyote throws me to the ground. His slime smelling carrion dropping on my forehead and he breathes as he was a dragon about to split fire.
His paw reminds me of my cats, a small and clever paw to such a furious animal! I felt butterflies in my stomatch, and the feeling was growing and growing, cold inside my belly, of lazyness of dying and leaving my read sofa this way, before my cats could ever sit on it. Of leaving my mother without our trip to Paris. Of leaving my nieces before we chat about boys, and my sisters' boys before little mustaches begin to grow. Of leaving my stepdaughter before I have told her one of my stories. Of leaving the little baby that has never grown inside my womb. Of leaving the man before we grown old.
I have looked inside the coyote's eyes and we were so close that both of us were cross-eyed, and I have seen such beautiful things: indians dancing, fire, the desert, the dust, the moon, rivers and a sun.
The coyote was also in love and that was the reason why we came to meet that day. He loves an indian girl who came here today, for a speech(today is the indians' day)... he has dreamed of her for years and years. She was not alike the Indians of his land. She was a tupi-guarani* Indian of dark, straight, long hair, of delicated and full shapes and a face as round as the moon.
Everytime he has howled to the moon, he has thought of her. Everytime that he has ran and ran through the desert he was trying to reach that indian high above the sky, full moon dressed up. And that was this way that he, by chance, came to Brazil. He didn't speak a good Portuguese but we could understand him well.
Then, I was so lucky, that when his mounth was wide open to bite my jugular, the little tupi guarani indian started to sing. And it was a song so filled with rattles and about curumins(indian little boys and girls) that are like girinos(young toads) that the coyote has stopped what he was doing to imagine his own coyote curumins and his future running through the deserts almost woods of Minas Gerais*.
So I entered in the building, went to the restroom, with my hands wet I have cleaned from my shirt the marks of the coyote's paws and I have also washed my face. I was terrible late for the lecture, but I didn't wish to justify my delay, and besides, we were chatting about Krashen* and his theories, thing that always please me to chat about.
Tonight, after packing my things to go living with my Mom for a while. I will thank the Autumn for the encounter! But first, I am going feel glad for my county where there are only peaceful animals, as ourselves, its own people.

Jabuticaba/Jabuticabeira= a native fruit and its tree, the fruit is a small black ball, filled with a white sweet nectar and a sed, the peal is thin and soft so it is eaten by poping the fruit inside the mounth.The bark of the tress peels when it is Autumn.

Amora= a native sweet fruit which resembles blue berries mixed with grapes.

Cangaceiro= a male member of an extinct group of extremists who were engaged in social bandidy in Northeastern of Brazil.

Tupi-Guarani= the most popular Brazilian Indian tribe.

Minas Gerais= one of the Brazilian States, its vegetation, called caatinga or cerrado is a mix of arid vegetation and rain forest vegetation.

Krashen= Stephen Krashen is professor emeritus at the University of Southen California, and is a linguist, educational researcher, and activist.

sábado, 24 de maio de 2008

Relato: Babel

Como explicar esse universo de coisas que somos em um universo pequenino, infinitesimal da linguagem humana. Somos menos comunicativos do que imaginamos e entre cada indivíduo há um muro impenetrável, um muro de Babel... uma divisão entre o que somos e mostramos... e nunca o fazemos bem o suficiente. Por mais hábeis que sejamos, por mais articulados e expressivos. Até mesmo a Arte, senhora de sua própria linguagem, não consegue ser suficientemente completa, precisa da carga do outro, da emoção do outro, da interpretação... somos homens traduzidos, disse Rushdie. E eu, essa pessoa socialmente inerte no momento, me sinto à léguas de distância do falar e do ser. Como se nunca fosse lida. Como se ninguém visitasse esse blog que é minha alma mais exposta. Leitor.

segunda-feira, 21 de abril de 2008

Senhor Bigodes

Bill e eu não nos falamos direito desde o acidente. Ele tem bebido todos os dias e o meu sono se tornou muito leve. Escuto o clac clac da lata de cerveja e o jato de urina de Bill caindo na água depois de exatos dez minutos. Nossa casa não é muito grande, sabe. O suor dele se tornou amargo com a levedura, e todos os lençóis têm uma mancha amarelada, como se fosse o contorno feito em giz em um cadáver. Essa noite a Emily voltou a "fazer pipi" na cama. Ela já tem cinco anos, meu Deus!... aqueles olhinhos cheios de culpa e eu exausta, nem ao menos respondi o "me decupa, mamãe". Maldito gato. Se não fosse o maldito Senhor Bigodes não teríamos, o Bill não teria tido que...


Olho as estrelas do lado de fora do trailer. Daqui a quatro horas estarei fritando batatas, o cheiro da gordura velha entupindo o meu nariz, as risadas dos casais felizes e extravagantes vindo das mesas...danço com a mão no ar enquanto sopro a fumaça do cigarro fazendo em forma de círculos...a ponta dos meus dedos está ficando cada vez mais amarela por causa da nicotina, eu também tenho fumado muito mais. O meu hálito não deve estar tão agradável para o Bill, ele também não tem me procurado. Tento me concentrar no céu aberto. O bichinho verde está dependurado na janela da Emily de onde vem uma claridade translúcida. Procuro não olhar para o pedaço de madeira cheio do cérebro do Senhor Bigodes encostado debaixo da janela, mas meus olhos estão lá, procurando os pedaços ensaguentados de miolo de gato, chapiscados de pêlos marroms.


Resolvi caminhar então. Perto do trailer tem uma dúzia de árvores...as folhas cobrem o chão que virou uma massa fofa de folhas antigas, como um grande edredon. Se não fossem os insetos eu me deitaria ali mesmo. Bill abre a porta do trailer e me acena, a lata de cerveja na mão, para em seguida fechá-la mais uma vez.
Estou sozinha...acendo mais um cigarro e enconsto na árvore, roçando os meus pés um no outro para me coçar das picadas. Tenho a impressão de ter visto um pequeno rabo. Um rabo amarelado... só então noto o cheiro. A barriga aberta do Senhor Bigodes. O gosto da sopa do jantar me sobe a boca. Aquele desgraçado do Bill. A pobre Emily poderia ter achado ele aqui. Resolvo eu mesma jogá-lo em um buraco. Escuto o ronco do Bill enquanto furo a terra. O cheiro da terra é agradável.


Quando toco o Senhor Bigodes com a pá ele se levanta. Um pouco trôpego, como se fosse um velho bêbado. A orelha pendendo por um pequeno fio do resto de carne amassada que antes era o seu crânio.
_ Bom dia Jade.-diz Bigodes com sua cabeça pendendo da esquerda para a direita, como a de um bebê recém-nascido forçado a ficar ereto- Preciso de um favor.
Os dois olhos mortos fitam a minha máscara de pavor. O cigarro me queima o dedo. Mas só consigo me fixar naqueles olhos, um deles parcialmente vazado. Ele era um gato bonito, penso.
Senhor Bigodes senta, e com um miado profundo de dor chama alguém ou alguma coisa. De dentro da mata saí um pequeno filhote. Um filhote de jaguar. A barriga maior do que o corpo...a cabeça demasiadamente grande.
_Este é Taralonamon, um deus felino. Seus dentes são poderosos e esmagariam o corpo inteiro de um homem. Seu hálito causa náuseas à qualquer um que o sinta a um quilômetro de distância. Semana passada tentei avisar Emily que ele nos visitaria, foi quando seu marido me assassinou brutalmente. A pequena Emily é mais estúpida do que pensei... achei que entenderia o que eu estava desenhando no lençol.


Eu tentava falar, tentava olhar o deus gato, mas minha vista se desfazia, era como se a fumaça do meu cigarro estivesse enchendo os meus olhos de lágrimas.
_Taralonamon veio para me avisar da minha própria morte, mas também para me conceder a graça de lhe pedir para salvar a vida dele e de seu marido. Quando o sol terminar de surgir, você precisa ficar no trailer, na casa. E empedir que Bill saia, pois ele irá atropelar Taralonamon pela manhã. E os dois vão morrer. E eu terei morrido brutalmente e em vão, já que um berseck sempre morre por seus donos. Assim é desde o nascer do Egito, desde antes das sete pragas e assim deverá ser por todos os tempos.


Bill acorda as oito. Eu nem ao menos consegui dormir. As sete e meia a Emily foi para a creche junto com a Dalila. A mãe estranhou o meu aspecto. Só então percebi que meu cabelo estava cheio de terra e embarassado. Ela me perguntou se eu queria que ela ligasse para o meu trabalho...eu disse que não adiantava mas agradeci. Falta é sinônimo de demissão na grande rede de fast food. Então, tomei um banho e vesti a minha melhor lingerie. A que eu usava antes da Emily quando ainda era stripper. Eu sabia o que viria em seguida.


Bill não fala nada. Seus dentes são mais brancos do que os meus...engulo os resíduos do que ele comeu na noite anterior que ainda estavam em sua língua, mas se ele me beijou é um bom sinal. Ele não vai me bater muito hoje. Bill está ofegante sobre mim agora. O feche da almofada está arranhando a minha barriga, mas não posso interromper...já fazem dois anos que não tenho um orgasmo. Desde o dia em que ele me traiu com aquele travesti. Agora ele se esquece que eu sou mulher... mas não me importo. Ele é um excelente pai. Ele proteje à Emily e à mim. Trabalha todos os dias no barco de pesca e nunca reclamou. Sinto as suas mãos calejadas e grossas em torno do meu pescoço; ele puxa os meus seios para baixo e eu posso ver pequenas queimaduras de sol em sua pele. Fecho os olhos e me deixo levar. Não consigo pensar em perdê-lo. Estou cheia de gratidão pelo Senhor Bigodes. Bill diz que me ama e me pedi para virar. Posso sentir um calor dentro de meu ventre. Minha pulsação está alta. Ele beija os arranhões em minha barriga. O relógio marca nove e meia. O barco já saiu. Bill é só nosso Emily, só nosso hoje. É a primeira vez desde o acidente que fazemos amor. É a primeira vez em dois anos que ele me toma como sua esposa e não sua amante... seus olhos estão como a ressaca do mar. Enrosco minhas mãos em volta do meu homem e sussurro: _ Temos que arrumar outro gato!

Relato: O caranguejo

Esperança. Esperar. Que possamos acordar de nossas nuances sem carregar nehuma dor. Morrer um pouco. Nascer de novo. Nua. Sem laços. Sem saber de mim, o que eu sou, o que eu fui. Sem saber se devo. Se me entrego. Se me destruo ou se me descubro... mas já andei por demais desnuda. Minha pele se tornou sensível ao toque. Me recolho. Me estranho. Um pequeno caranguejo. A areia é úmida e fofa. Me sinto protejida em minha toca... mas o mar me chama. O mar é quente. É molhado e vivo. Uma nova. Outros sons além do cantar da areia se aconchegando. Os movimentos do mar são mais violentos. Podem arremessar meu corpo na boca de um predador. A minha casca será inútil. Mas na minha casa não encontro alimento, apenas proteção... para não definhar de fome tenho que esperar as horas em que a maré sobe e correr ao longo da quebra. Toda solidão. Toda flerte com as águas turvas pela escuridão. A espuma branquinha me chamando. E quando sinto as minhas patas tocarem a areia que cede, um pânico profundo me inunda e quando abro os olhos de novo estou no buraco na areia. O cântico das águas ao longe. Tenho a sensação latente que se me jogar as águas do mar, me saciarei em um farto banquete de plâncton e pequenos peixes, a água me balançando. Me acariciando. Em toda a minha extensão. Acho que perderia as amarras que me constroem como sou. Perderia a certeza de onde eu começo e onde eu termino. Onde é o meu corpo e onde é o outro corpo. E se eu me perdesse de novo? Será que me acharia? Será que seria digna de ser devorada pela bocarra enorme de um peixe? Quanto mais penso que me possuo, mais me descubro sendo do mar. O amor e a esperança são sempre sinônimas de suicídio. Mas será que um dia eu morro?Ou mais vale a areia da minha cova em vida?

domingo, 16 de março de 2008

Relato: O Tempo.

Como possui efeitos anestésicos esse tal tempo. A memória dos cheiros, dos gostos, das cores se desfaz em espirais de cabelos que crescem à medida que anoiteço o meu corpo, a minha casa. A medida que me entrego às entranhas sinistras desse ser que é o silêncio. Que é a consciência de que as coisas são efêmeras. Ah! Doce efêmeridade. Diferente de querer morrer é ter a consciência da morte, da minha morte... e das coisas que não são eternas. Nem ao menos sentimentos. O tempo, senhor de tudo, se encarrega de torná-los brandos. A saudade deixa de ser saudosismo melancólico e se torna resignada e fria... como meus lábios. Me divirto em pensar que retornei ao meu momento de auto suficiência, ainda que tenha sido arduamente criticada por ele. Não preciso muito de ninguém além de mim.... porque, nesse momento atual de lucidez, eu decido o quanto quero ter dos outros em meu desígnio. Até que um dia seja traída pela minha sensibilidade de novo. E de novo. Em algo cíclico e no entanto, incerto. Essas marés de rostos e corpos. Essa solidão burlesca... onde nada se destaca além do rosto da minha dor. Tenho sido uma pessoa enjoativa para os meus amigos... por anos e anos. Qual é a verdade sobre mim e as pessoas? Sinto me sem habilidade para lidar com o que se segue. Sem controle dos meus muitos personagens.... e a vida segue. E o tempo leva tudo, tudo.

terça-feira, 11 de março de 2008

Odes

Vem sentar-te comigo Lídia, à beira do rio. Sossegadamente fitemos o seu curso e aprendamos Que a vida passa, e não estamos de mãos enlaçadas. (Enlacemos as mãos.) Depois pensemos, crianças adultas, que a vida Passa e não fica, nada deixa e nunca regressa, Vai para um mar muito longe, para ao pé do Fado, Mais longe que os deuses. Desenlacemos as mãos, porque não vale a pena cansarmo-nos. Quer gozemos, quer não gozemos, passamos como o rio. Mais vale saber passar silenciosamente E sem desassosegos grandes. Sem amores, nem ódios, nem paixões que levantam a voz, Nem invejas que dão movimento demais aos olhos, Nem cuidados, porque se os tivesse o rio sempre correria,E sempre iria ter ao mar. Amemo-nos tranquilamente, pensando que podiamos, Se quiséssemos, trocar beijos e abraços e carícias, Mas que mais vale estarmos sentados ao pé um do outro Ouvindo correr o rio e vendo-o. Colhamos flores, pega tu nelas e deixa-as No colo, e que o seu perfume suavize o momento - Este momento em que sossegadamente não cremos em nada, Pagãos inocentes da decadência. Ao menos, se for sombra antes, lembrar-te-as de mim depois Sem que a minha lembrança te arda ou te fira ou te mova, Porque nunca enlaçamos as mãos,nem nos beijamos Nem fomos mais do que crianças. E se antes do que eu levares o óbolo ao barqueiro sombrio, Eu nada terei que sofrer ao lembrar-me de ti. Ser-me-ás suave à memória lembrando-te assim - à beira-rio, Pagã triste e com flores no regaço. (Vem sentar-te comigo Lídia, à beira do rio- Odes- Ricardo Reis)E tudo mais que se escreva é saudade e um pouco de esperança, que as coisas funcionem para nós todos, enlaçando as mãos ou não.

domingo, 10 de fevereiro de 2008

Relato: Compaixão

Qual a dimensão da dor? Imagino a Virgínia Wolf agonizando dentro da água. Alguém lançando-se da janela depois de um jantar em família, um revólver contra a têmpora, caixas e caixas de tarja preta. Penso em pessoas que ficaram doentes. Perda de movimento, uma criança com talidomida, uma casa onde passam fome. De onde vem os sorrisos ou as atitudes desesperadas? A depressão ou a euforia? Dói pensar que nunca compreenderemos o outro. Como mesurar esse tipo de coisa. Como saber se alguém que morre de frio na rua sofre tanto quanto alguém que teve um dia muito ruim e não conhece outra dor, senão essa? Certamente teríamos compaixão pela primeira e nenhuma pela segunda. Então, afinal, o que é compaixão? Será que depende da nossa percepção da dor?

terça-feira, 5 de fevereiro de 2008

Conto: Duas Amigas

A velha contemplava o sofá e aos poucos ia se permitindo ser saudosista, assim como às vezes colocamos um cigarro na boca junto com o gosto da liberdade de ser. Lembrava de quando a mobília ainda tinha cor e ela tinha homens. Hoje, ela só tem a gata. Uma tem a outra.
Mas as coisas vão perdendo o prazer e vai se perdendo o prazer das coisas. A gata e a velha já nem mais conversavam. As quatro horas a comida era despejada na vasilha e a gata sabia que, quando se deitasse perto da velha ela lhe correria na barriga as mãos. Não havia nojo entre elas. A gata por vezes assistia a sua dona no banheiro e elas se beijavam mesmo que uma das duas amigas fizesse seus banhos com a língua suja de rato e pasta de atum. A carne da geladeira por vezes ficava roxa e ainda assim era comida para não ter desperdício. Gostavam de iogurte de morango pela manhã.
À gata havia sido negado um nome, em um dia de pura crueldade. A velha tinha esperado muito por alguém e como essa pessoa nunca chamou o seu nome de novo assim, vingou-se na própria gata, na época um bichinho de nada. Quando a sobrinha lhe perguntou o nome daquele pacote de pêlo, ela disse simplesmente "gata" e de seu lábio gotejou um sorriso malicioso que certamente a deixou mais moça.
Mas a gata era macia e tolerante. Seus bigodinhos eram engraçados e ela nunca permitia que os ratos entrassem dentro da casa. A velha foi tomando um amor pela criatura, que a tratava com a consideração que se deve ter por um ser humano, mesmo que não tivesse ela um nome para si.
A gata era esbelta e conseguia fugir das travessuras dos meninos das vizinhas. Já a velha, que era mais frágil e débil, sofria muito por ser chamada de bruxa(no fundo ela adorava crianças) e tinha sempre que engolir a vontade de dar a garotada alguns tostões para limpar o quintal.
A casa toda não tinha nada de valioso, a não ser a memória, e era rodeada só por uma cerca de arame farpado. O mato grande dava mesmo ao lote um aspecto de abandono. A grande mesa de madeira e algumas cadeiras velhas apodreciam em meio a garrafas e entulhos deixados por mendigos(que por vezes dormiam no quintal).
A anfitriã os observava -sempre com receio- da janela da sala, e como sua expressão era doce, eles nunca a feriam ou usavam o quintal para obscenidades e escatologias. Na verdade, o que a velha gostava, era de ficar observando as garrafas: vaga-lumes azuis, marrons e verdes reluzindo, reluzindo na noite preta.
Uma vez por mês ela recebia uma visita de verdade, uma especial. A sobrinha Agnes. Arrumava a mesa com flores e comprava pão novo. Quando mais saudável fritava pastéis. Agnes e ela se divertiam como duas moçinhas. Contavam muitas histórias. E a velha sabia que a sobrinha a visitava secretamente, sem os meninos e o marido, para poder se permitir ser criança de novo.
Por vezes elas faziam brincadeiras, como origami e papel machê. Ou então, jogavam baralho valendo cigarros ou um gole de bebida(a mais nova sempre se empenhava muito para ganhar por causa da saúde da tia). A colônia da tia tinha um cheirinho bom, misturado com velhice mas que fazia lembrar de como ela foi bonita de um jeito exclusivamente seu. E com os olhos de menina, Agnes- cordeiro em Latim- via aquela tia sem rugas, com seu rosto cheinho e o cabelo de favo de mel, sorrindo como se ainda tivesse todos os dentes.
Um dia caiu muita chuva e por toda a casa se escutava o plic plic plic das goteiras enchendo os baldes. O mato virou um brejo e os ratos sumiram por um tempo, deixando a gata um pouco mais carente e gulosa do que o habitual. A velha sentiu uma vontade egoísta lhe crescer dentro da barriga, uma vontade de se mudar para uma casa menor e melhor. De deixar a gata. Mas quando ela olhou para as pernas, e sentiu o roçar, os olhos grandes, um pouco mais magra, seu coração se encheu tanto de amor que chegou a doer. E nos outros dias de chuva ela nem mesmo se importou dos baldes transbordarem. Vai ter mais pernilongo picando a meninada!- se consolava.
Quando a gata morreu fazia um sol de dar dó. Os ratos já tinham até voltado aos entulhos. A velha sofreu tanto que murchou. Chorou. Nem assistiu a novela. Nem olhou, lá fora, os casulos de mariposa da roseira selvagem. Quis ficar doente. Deixou de tomar o remédio e dormiu oito dias sem cobertor.
Mas poucas pessoas são donas da sua própria Hora e não foi diferente com ela. Agnes viu a tia tão amuada e fraca que aos poucos parou de visitá-la. A tia não a censurava pois nunca gostou do cheiro que a velhice lhe deu. E também sabia que as pessoas têm suas próprias vidas, e as pessoas que elas criam costumam ser a vida delas. Ela só havia criado a gata e o mato. Aquele casarão de cerca e móveis desbotados. Tinha consciência de seu temperamento difícil e das coisas que preferiu cultivar ao invés de cultivar gente.
Decidiu escrever um testamento. Sabendo que a sobrinha vivia em uma casa muito na cidade, espremida, deixou à ela tudo que tinha. A casa, afinal, era grande e o quintal se bem cuidado viraria um ótimo lugar para os filhos brincarem.
No mesmo ano Agnes se mudou. Mais pela tia morta do que por ela mesma, que antes estava só a dois quarteirões do trabalho. Tiveram que vender muita coisa para reformar a casa, mas no final, ela ficou tão boa e alegre, que deu à sua caçula o mesmo nome da tia(que nem era um nome bonito). Nem se lembrava que houve uma gata um dia.

quinta-feira, 24 de janeiro de 2008

Conto: Coyote

Hoje o dia floresceu que nem cactos habituado a ser seco, espinhento e que um dia cisma de dar flor. E eu, então, resolvi pegar o caminho mais comprido e barato até a faculdade de educação. Desprezando todos os conselhos dados por minha mãe, fui distraída olhando as árvores de Outono. Pensando como é boa essa estação com cheiro de meio das coisas em que toda casca de árvore lembra a jabuticabeira da casa de Vó.
Tinha uma árvore enorme, e lá no alto davam jabuticabas bem bitelas que eu, quando menina, subia no pé para chupá-las. Fiquei me perguntando porque essa menina quis aparecer hoje e me dar disposição para me exercitar.
O prédio da faculdade de educação brota no meio de uma montanha cheia de floresta e grama em volta. Para subir até lá, pego uma escadinha de degraus muito pequenininhos e amontoados que finjo ser uma pirâmide Maia. Isso me distrai de ter que subir até lá no alto.
Também fico pensando que na floresta do campus tem lobo mal. O lobo cinza tão bonito e com seu uivo sedutor e primitivo... mas até hoje só tinha encontrado gente. Estudantes iguais a mim... indo e vindo de um prédio para o outro, cortando caminho pela floresta sem ter uma vovó para quem levar uma cesta de gostosuras.
Sabe, fico chateada de não ter lobo no Brasil! Só lobo guará, simpático igual cachorro vira-lata, mas que nem tem o pêlo peludo e prateado. É até um bicho bonito, mas tem medo de gente e nem come carne. O lobo mal não! Devora a vovozinha inteira e ainda fica querendo colocar a menina de chapéu vermelho dentro daquele estômago grandão.
Queria, ao invés de ver o estacionamento da faculdade de educação, achar a cabana do meio da floresta! O fogão de lenha aceso, esquentando um chá para a neta. Quando era criança, tive uma Vó que morava numa casa no meio da floresta... de verdade. A floresta era um quintal com bananal, abacateiro e até amora! Mas para eu, que era pequena, aquilo ali era um baita de um matagal, com reguinho d’água e tudo! Só que também não tinha lobo! Tinha era um Léo, um cachorro rabugento e marrom que eu amava muito!
E eis que no estacionamento vazio de gente(eu estava atrasada para aula), vi um rabo marrom atrás de um carro. Não era rabo de rato, nem de raposa, nem de cavalo. O rabo saltou para trás de dois olhos vivos e uma bocarra assustadora cheia de dentes amarelados.
Era um coyote faminto. Ele bufava e chispava de um lado para o outro, fazendo uma dança selvagem. Fiquei hipnotizada! Gordinha desse jeito ia dar um prato farto para aquele bicho ali. Sempre esperei o lobo mal e me aparece logo outro bicho dos estates! Esse mais mexicano do que americano. Marrom vívido e magrelo, com cara de danado. Cão do diabo. Bicho encrespado e encardido. Deu até dó dele.
O coyote então pula para cima do carro, me olha bem na cara e dá uma gargalhada cheia de raiva e ao mesmo tempo amor. “Vou te devorar menina! Assim bem cangaceiro, contando as minhas proezas! Te fazendo sentir medo do que sou... a verdade! Nada de ludibriar e inventar! Ou de travestir e seduzir! Eu, coyote, sou pai de tudo que existe! Sou a fome que persiste! A corrida selvagem pelo deserto! O uivo desesperado para a lua! Não sou pomposo, só sou o que sou!”
Nessa hora, fiquei até com vergonha! Pensando um pensamento de que os olhos fundos do coyote fuçavam bem a minha cabeça, assim, reclamando dele não ser o lobo. Então gritei: “Eu lá tenho culpa de gostar do que gosto?”. Em um salto atlético o coyote me derruba no chão. Sua baba com cheiro de carniça pinga na minha testa e ele respira como se fosse um dragão prestes a cuspir fogo.
A pata dele me lembrou um pouco as dos meus gatos, uma pata pequena e esperta para um bicho tão feroz! Senti um comichão crescendo, frio dentro da barriga, de preguiça de morrer e deixar o meu sofá vermelho assim, sem os gatos nunca terem sentado nele. De deixar minha mãe sem a gente ter viajado juntas para Paris. De deixar minhas sobrinhas antes delas me contarem coisas de namoros. Os meninos das minhas irmãs antes dos bigodinhos crescerem. De deixar minha enteada que nunca ouviu umazinha das minhas histórias. De deixar o neném que nunca cresceu dentro de mim. De deixar o homem sem que ficássemos velhos.
Olhei dentro dos olhos do coyote, assim de tão perto dos meus que nós dois estávamos meio vesgos, e vi coisas lindas: índios dançando, fogo, deserto, poeira, lua, rios e um sol.
O coyote também estava apaixonado e por isso a gente se encontrou. Ele ama uma índia que veio dar palestra hoje(que é dia do índio)... ele havia sonhado com ela anos e anos. E ela não era índia igual tinha na terra dele. Era índia tupi guarani de cabelos pretos e lisos, de formas mimosas e cheias e a carinha redonda que nem a lua.
Toda vez que ele uivava para a lua, uivava pensando nela. Toda vez que ele corria e corria e corria pelo deserto, era tentando alcançar aquela índia lá no alto, disfarçada de lua bem no meio do céu. E foi assim, que um dia, no susto, ele chegou no Brasil. Falava um Português meio ruim mas dava pra gente entender.
Aí que a minha sorte foi tão grande, que quando a boca dele já se abria para abocanhar o meu pescoço, a índiazinha tupi guarani começou a cantar. E era uma música tão cheia de chocalhos e falando dos curumins que são como girinos, que o coyote parou o que fazia e resolveu ficar só fantasiando o futuro e os filhos curumins coyotes, correndo no deserto quase mata de Minas Gerais.
Entrei no prédio, fui até o banheiro, e com as mãos umedecidas limpei da minha roupa preta as marcas das patas do coyote e também lavei o rosto. Cheguei muito atrasada para a minha aula de Prática de Ensino, mas nem quis justificar. E além do mais, estávamos falando de Krashen e suas teorias, coisa que sempre gosto de ouvir.
Hoje a noite, depois que arrumar minha mala para ir morar um pouco com a minha mãe, vou agradecer o Outono pelo encontro! E mais do que tudo, me sentir agradecida por no Brasil só ter bicho pacífico igual a gente mesmo! Viva o lobo-guará e o mico estrela!

Relato: O que era pra ser perfeito se não fosse o contraste

Um dia voltei lá. Um fim de semana inteiro, meio que por travessura. Fiz de conta que era a casa dos outros. Um apartamento vazio. Tudo embalado para mudança.
Fui com ele, o meu. Ainda não tinha certeza de nada. Só uma coisinha tropega chafurdando meu coração e dizendo que ainda não devia desistir de amar. Que ainda valia a pena tentar.
Brincamos de aqui é a nossa casa daqui uns anos. Eu até cozinhei.
E de noite teve um show que eu achei que nunca ia poder assistir! Pequenos milagres.
Escutei as três palavras que me pareceram tão sinceras, parecíamos nos conhecer tanto.
Fechei os olhos e me deixei embalar por aquilo tudo. Promessas, uma rosa vermelha para cada mês, eu disse. Me lembrei muito da "Abrace-me" em que uma das coisas é que no escuro e no frio, não é errado se abraçar e mentir sendo legítimo.
Digo mentir, mas não no sentido bruto da palavra, mentir, porque toda vez que falamos de futuro a gente mente um pouquinho, mentir porque os sentimentos mudam e não podemos jurar constância.
Mas eu me senti feliz de um jeito tão diferente, como se eu estivesse finalmente pronta.
E era quase dia dos namorados. Quase isso.
Amanheceu. Veio a chuva de realidade que se segue após os dias oníricos. Uma tempestade fenomenal.
Quer saber de uma coisa? A realidade, bem, a realidade só é bonita muito de vez em quando. E a gente nunca aprende isso. A parte feia quando vem sempre machuca fundo, por causa do contraste.

Poema: Eva

Milhões de anos.
Milhões de anos e ainda somos
desse organismo a cerne, a carne.
A placenta que sangra e não grita, as mães.
Subjulgadas por suas crias e suas noções de sacro.
Quando nos tiraram o pagão
Nos tornamos profanas e definhamos
Como o que tinha a fruta que oferecemos à Adão
As crias, enfiam as mãos em nossa carne,
Ditam, nos torturam milenarmente.
Nosso órgão mais parece uma ferida aberta
Do que uma maçã.

Relato: Despeço

Minha velha dificuldade em me encontrar. As páginas que arranco e sinto que não o deveria fazer, porque são parte do que eu fiz. Do que joguei inconsequentemente no mundo, em minha vida. Mas me reconstruo sempre. Sempre. Nas páginas novas que carregam tantas pessoas que não consigo arrancar de mim...
Dela. Dessa Belo Horizonete que eu despreso. Me acolheu e eu a despreso.
A pinça ainda é torta e continua pendurada no gabinete do banheiro, como a escova de dentes que agora, deixada aqui me pareceu menos minha. Me pareceu de um estranho.
Sou outra coisa. Morri para a cidade e sua simbologia. Altivez e sonho e uma realidade embriagada.
Mais crianças na minha família e os meus pêlos mais espessos. Envelheci mais(por ter sido adolescente de novo). E me sinto velha agora. Bem velha.
Como a cidade e essa lua, olho prateado que um dia nem acreditei que era tão grande, e hoje não parece mais minha. Minha lua, vista da minha janela.
Estranho esse passado que se delonga, que não passa. Esses apelidos de duas sílabas. Esses três(incluindo o meu).
Me lembro da canção sobre o medo "E eu não o conheço bem, o nome dele é medo", medo. Não tenho ninguém que não seja fictício para dividir o meu medo. Recomeçar. Renovar.
Suas músicas, minha rédea. Uma história de ninar que meu pai nunca contou. Em uma voz masculina que me tanto fez falta. Meu pai é quase mudo por falta de jeito em viver. Afeição difícil de enxergar. E eu crescia escutando as músicas do King Diamond fazendo de conta que ele era meu pai me contando histórias de terror.
E agora volto para o meu pai de verdade. Minha mãe ficando cada vez mais velhinha e cansada. E os dois quartos me parecem estranhos. Não consigo dizer "meu quarto" e sentir isso no meu estômago. Me sinto sem lar. Vazia de agora. Cheia de vivências.
Sou inteiramente nova para mim mesma. Hoje. Vamos dormir.

Conto: A Cor Da Parede

As paredes do meu quarto são amarelas. Eram brancas até os doze. Uma luz vinda do poste atravessa o meu teto de maneira aconchegante. O rio Nilo! - digo para o Croc. Croc parece feliz, com o seu verde de pelúcia e seu sorriso amistoso e cheio de dentes, a língua pende ao lado deles.
Não quero dormir de novo. Os jogos do computador são tão distrativos, mas na tela preta do monitor escrito "loading" vejo meus próprios olhos apavorados. Meu coração está vazio. Meu irmão sai daqui...deixe me ver, três horas.
O seu ronco suave vem do quarto e eu imagino um enorme crocodilo no Nilo. Amon-Ra, o comedor de mortos, e Anubis pesando o coração- a balança de ouro pinga sangue. O sangue de verdade é escuro como o da primeira menstruação: pedaçinhos de útero preto-avermelhado e gosmentos na minha calçinha, e eu estava brincando de massinha. Minha mãe escuta o grito vindo do banheiro. Eu sabia o que era. Sabia. Só não queria. Nunca quis.
O cheiro de musgo e terra ainda está nas minhas narinas. Eu sou o crocodilo da seca do Nilo. Ouvi dizer que eles dormem sentindo esse cheiro até a seca acabar, as vezes, sobrevivem por mais de três meses. Diminuem seus batimentos cardíacos.
Eu morreria. Toda vez penso que vou morrer. Essa é a terceira. Só espero que meu coração na balança seja mais leve; não quero tê-lo devorado. Sei que Amon-Ra não é tão simpático quanto o meu croc.
Estranho que ele é tão bonito... o oráculo. Nãaaaaaao. Não quero chamá-lo. Mas ele sempre vem. Sua cabeça dourada e redonda, o entalhe de sol, a expressão fixa. Um longo vestido de musgo verde escuro cobrindo o corpo sensual de mulher crescida, as pernas somem no chão engolidas pela terra de onde ele saí fazendo um barulho de parto. As mãos nunca param de dançar. Uma dança mórbida e aflita, ondas e ondas de um mar revolto, o quadris o seguem.
O oráculo não parece feliz apesar de sua expressão não denotar sentimento, parece um escravo dos seus próprios movimentos e a terra o cospe. Em mim. Seu cheiro chega antes, começa com a terra molhada, depois vem o musgo e por último o cheiro de humidade. O cheiro de humidade sufoca. Me sinto claustrofóbica, enterrada viva na encosta do rio, os olhos cheio de moscas. A boca de um afogado.
A primeira vez, aquele rosto sem boca, olhos sem pupilas, me disseram com uma voz dentro do meu cérebro que eu não queria, que eu não queria, mas que ele me diria coisas sombrias, segredos ruins, ia desenterrar a cabeça de porco que jazia na terra do meu quintal. escondida. A cabeça de porco em decomposição. O fruto ruim. O fardo secreto. A terrível noite. Disse que me pouparia se eu procurasse a caixa de sapato de criança debaixo da terra do quintal. os olhos sem pupilas olhavam de dentro dos meus onde deveria cavar e cavar. Antes da chuva.
Minha cama ensopada, de sangue, menstrual. Achei que havia urinado também, mas era só suor. Minha camisola grudada no corpo. O croc caído no chão de barriga para cima. Tomei café de pão e margarinha molhados no copo cheio e escuro. Mamãe e o pai sairam cedo. O irmão ainda ia pra escola, me mandou andar logo. "Sua gorda pregüiçosa". Não iria conseguir ir a aula. Sem querer disse a ele que levasse um guarda-chuva, e ele perguntou se eu tinha comido demais e estava doente. Arrange outra desculpa, o céu está limpo, otária! E me deu um beijo estalado na testa salgada de suor.
A chuva caiu as três horas. Tapei a cabeça com o travesseiro e chorei. Quando eles chegaram eu já estava dormindo. E ainda era tardinha.
O cheiro veio de novo na noite seguinte. O banheiro branco daqui de casa. A água da privada se tingindo de vermelho. E o meu irmão não-nascido. Tinha olhinhos e mãozinhas. Tudo tão esterilizado e branco. O vaso branco. E o bebê. Os passos da minha mãe no corredor e de volta ao banheiro. A roupinha branca também. Não é para vestir. É um manto fúnebre. Um sudário para o pequeno ser. Quero o meu quarto de outra cor. Minha mãe não chorou.
Posso evitar. Assim como poderia ter achado o pequeno crânio no quintal. Mas não quero. Sou uma assassina por omissão. No fundo sei que aquele coração enorme na balança é o meu e sinto os dentes afiados dilacerando a carne. Minha própria carne. Nego o meu dom. Não quero usar o oráculo. Não. Mas sei que o maldito me visitará até a morte. Sei tudo o que me vai acontecer até a eternidade. Sei tudo sobre mim e esse é o meu fardo. Melancolicamente longo.
O irmão vai matar hoje. Por cinqüenta reais. Serão seis facadas nas costas. Seria melhor que ele vendesse o botijão da cozinha. Eu não falaria para mamãe. Não de novo. Não depois do que aconteceu da última vez. Seremos eu, mamãe e o croc. A polícia o vai pegar e ele será continuamente violado na cadeia por um dos presos. Eu não me importo. A escolha foi dele, ainda assim.
Vou ser devorada. Minha alma. Esse é o desfecho. Mas um preço pagável para sermos só nós. Minha parede é amarela agora. Não sabia que mamãe estava grávida, não sabia que ela abortaria ao ver o meu irmão fazendo aquilo comigo. Papai não sabe também, nunca saberá, a não ser que eu escolha desenterrar algumas coisas literalmente. Afinal, aquele bebê seria outro menino, e eu não saberia o peso do seu coração. Só o de papai talvez seja leve. Apesar dele passar mais tempo fora do que conosco.
Os dentes de Amon-Ra cintilam com a carne na noite. Mas nunca sei como é o final dos jogos.

Poema: Princess Of Nile

Princess Of Nile

Nile Princess a sinuous woman river
Cinnamon girl colored with the sand
Your sensual dance makes me shiver
My desire grows like water strings
Egyptian Queen, River Offspring

Incense smell of pagan divinities
Your tiger flesh golden dressed
And your long witchcraft fingers
The Underworld is a garden of yours
Snake dancer, Golden Crowed

Osiris, Anubis, slaved small Gods
By your beauty of carnal devour
Filling all senses with your complexion
No Horus to wait for
Queen of the desert, Cinnamon Princess

Conto: Papel Acobreado

As vozes familiares vindas da sala inumdavam os ouvidos.
Doçura de se sentir em casa. E a janela aberta trazendo um pouco de vento. Um pouco de luz.
As coisas sobre a escrivaninha emitiam as mesmas sombras de sempre, exceto pelo porta-retrato com a foto da última neta, um presente.
Não estava sozinha, mas buscava um isolamento. Um relampejo de malícia lhe correu por sobre os lábios murchos. Só meu o momento, o quero só para mim.
O quarto de escrever era um útero, seu e da mãe ao mesmo tempo. Só que sem o cheiro de sangue.
Cheirava à ela. Colônia adocicada de moça misturada com o cheiro da velhice. A sua própria.
Olhando as unhas pintadas de rosa se estranhava por não reconhecer mais as manchas senis. A pele um relógio. Como o papel dos primeiros contos que se amarelava.
Agora ea era uma folha, quase cobre, prestes a rasgar com o movimento de passar as páginas, ainda que suave.
Um livro grosso. A mente a relia, evitando ser nostálgica, naquele que era o seu momento particular, e não queria pecar em se sentir melancólica.
"Cadê a vovó?" ela escuta. Sorri como uma menina marota.
A escolha de subir até o quarto de escrever já havia selado a despedida. Ela seria assim, sem adeus, só dela.
Nas mãos os escapulário e o medo infantil de ser avisada três dias antes de quando ia morrer.
Ainda não sabia sobre o Deus, ainda não fazia idéia de como seria depois, mas ela queria a Hora.
Cansaço. Não conseguia escrever. Era o momento da epifâne.
E haviam as coisas que tornavam doloroso continuar.
Queria poder voltar. Achar um lugar de reconhecer a si mesma em cada objeto ou marca na madeira, um copo de bebida, risco, corte. Os pingos de um cabelo molhado quando ainda era dourado. E ela ainda um pouco selvagem.
O gato, o cúmplice. O gato. Sem nome, pois já houveram muitos e a criatividade se foi. Eles também não precisavam ser chamados, eram parte dela.
O ronronar se confudia com sua própria voz.
Ele dormia na cômoda como sua existência simples permitia...apenas existir. E ter somente pequenos vínculos... mais ser do que sentir, na verdade. Ela, era a parte que sentia.
Um gosto lhe sobe a boca e ela começa a derreter. Se torna tudo ali, se torna lembrança.


Mariana Figueiredo

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